Guedes reclama de viagem de doméstica à Disney e escancara visão de país

Guedes reclama de viagem de doméstica à Disney e escancara visão de país

“O câmbio não está nervoso, [o câmbio] mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada.”

Durante um evento em Brasília, nesta quarta (12), o ministro da Economia, Paulo Guedes, cometeu novo sincericídio. Percebendo o absurdo transcrito acima, quis corrigir, afirmando que (antes que o acusassem daquilo que ele realmente disse), na sua opinião, “todo mundo tem que ir para a Disneylândia, conhecer um dia, mas não três, quatro vezes por ano”. E sugeriu substituir por atrações nacionais – para a alegria de seu colega de Esplanada e dono de laranjal, Marcelo Álvaro Antônio, ministro do Turismo.

Antes que alguém venha correndo passar pano, isso não foi um mal-entendido – então, por favor, não subestime nossa inteligência. E isso também não foi um erro – por favor, não subestime a inteligência do ministro. Isso é Paulo Guedes, em estado puro, escancarando sua visão de mundo e colocando as coisas no lugar que – segundo ele – elas deveriam ocupar. Pobre trabalha e viaja aqui, rico vai para onde bem entender.

Reclamar de trabalhadoras empregadas domésticas, cuja maioria é negra e pobre, que conseguiram – com muito sacrifício – conquistar o direito de escolherem para onde viajar e decidiram levar seus filhos à Disney, nos Estados Unidos, é paráfrase de “este aeroporto está parecendo uma rodoviária” – que se tornou mantra de nacos abjetos da elite econômica e da classe média quando pobre começou a andar de avião. O conjunto dessas trabalhadoras que foi à Disney deve ser minúsculo, mesmo assim entrou na psique no ministro.

Parasita

No último dia 7 de fevereiro, Paulo Guedes já havia causado celeuma ao chamar os funcionários públicos de “parasitas” do orçamento nacional, em um evento no Rio de Janeiro.

“O hospedeiro [governo] está morrendo, o cara virou um parasita”, afirmou, criticando a política de aumentos salariais de servidores. Generalizou o trabalho de servidores públicos, que cuidam da nossa saúde, de nossa educação, de nossa segurança.

Ironicamente, o ministro vem do sistema financeiro, em que há muita gente séria e honesta, mas também aqueles que poderiam ser chamados de parasitas por lucrar com a especulação, apostando contra países e levando economias à bancarrota.

Diante da repercussão negativa, disse que sua fala foi descontextualizada e que reconhecia a qualidade do serviço desses trabalhadores, citando até a família e amigos.

AI-5

“Não se assustem, então, se alguém pedir o AI-5.” O ministro da Economia, de tempos em tempos, nos lembra o quanto é fã do modelo chileno, com uma economia neoliberal erguida sobre as fundações do governo autoritário, assassino, estuprador e torturador do general Augusto Pinoch.

A declaração foi dada, no dia 25 de novembro, em uma coletiva de imprensa em Washington DC. De forma irresponsável, chamou possíveis manifestações de rua contra as reformas de “quebradeira”, fazendo uma analogia ao que está acontecendo no Chile.

Vale lembrar que o país sul-americano está em convulsão por conta da falta de serviços públicos de qualidade, das baixas aposentadorias mas, principalmente, da violência com a qual o governo Sebastián Piñera reprimiu as manifestações.

“Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo pra quebrar a rua? Que responsabilidade é essa? Não se assustem, então, se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”, disse.

No dia 31 de outubro, o deputado Eduardo Bolsonaro havia sido duramente criticado por afirmar que “se a esquerda radicalizar”, o governo terá que dar “uma resposta que pode ser via um novo AI-5”.

O ato institucional, de 1968, entregou ao Palácio do Planalto o poder de fechar o Congresso, cassar direitos e censurar e adotar violência contra opositores.

Como Guedes não reclamou das manifestações de rua a favor de seus projetos, concluímos que ele quer apenas calar um dos lados. Após a repercussão negativa, desdisse: “Isso é inconcebível. Não aceitaria jamais isso. Está satisfeita?”

Pobre não sabe poupar

Ao defender o regime de capitalização (no qual cada um faz uma poupança para a sua própria aposentadoria), em detrimento ao de repartição (em que os trabalhadores da ativa contribuem para as pensões dos aposentados), Guedes lamentou que o Congresso Nacional tenha vetado a previsão de mudança de um para outro. E mergulhou em insensibilidade e preconceito.

“Com ele, você colocaria o Brasil para crescer, aumentaria taxa de poupança, educaria financeiramente famílias mais pobres. Um menino, desde cedo, sabe que ele é um ser de responsabilidade quando tem de poupar. Os ricos capitalizam seus recursos. Os pobres consomem tudo”, afirmou em entrevista à Alexa Salomão, da Folha de S.Paulo, em novembro.

O fato das pessoas deixarem de poupar, em grande parte das vezes, não é irresponsabilidade com o planejamento do futuro, mas incapacidade de sustentar o presente – o que dirá gerar excedente. A isso, damos o nome de pobreza.

Com o país derrapando para sair de uma crise econômica sem precedentes, o ministro deveria estar agradecendo o povo que consome. Mas deve achar que pobres que só têm dinheiro para comprar alimentos, roupas e calçados e pagar ônibus e trens, fazendo girar a economia porque não contam com sabedoria para investir em um bom IPO.

Para concluir a leitura da matéria de Leonardo Sakamoto, clique aqui.

Fonte: Uol

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