Em busca de apoio, ministro da Educação recompõe ala militar no MEC

Em busca de apoio, ministro da Educação recompõe ala militar no MEC

BRASÍLIA — Sem base de apoio, o quarto ministro da Educação na gestão de Jair Bolsonaro, o pastor Milton Ribeiro, tenta recompor a ala militar na pasta para obter sustentação no governo. São pelo menos quatro militares em cargos relevantes no ministério. Um deles, Ricardo Augusto Ribeiro de Souza, chegou a pertencer à gestão do ex-ministro Ricardo Vélez Rodriguez, saiu e agora voltou com a nova administração. O movimento é visto internamente como uma aposta do titular para se fortalecer no comando do órgão, uma vez que tem sido visto como um ministro “fraco” na Esplanada, sem traquejo político nem conhecimento da pasta.

Aliados já preveem que Ribeiro não sobreviverá a uma possível reforma ministerial no próximo ano. A visão é de que ele “não aguenta o tranco”, sobretudo quando a pandemia arrefecer e começarem as pressões esperadas, a respeito, por exemplo, de contingenciamentos de recursos. Alguns apostam inclusive que sua permanência se dê no máximo até março.

As eleições municipais são vistas como um divisor de águas para a permanência ou não do ministro. A avaliação é de que, com a vitória de candidatos do Centrão em boa parte dos municípios do país, haverá uma pressão para ceder a pasta a indicados desse núcleo em troca de apoio para eleição presidencial de 2022. O PP, por exemplo, passou de 498 prefeituras em 2016, para 648 prefeituras neste ano. O PSD também saiu de 540 para 636 postos no executivo municipal. Assim como outros partidos do bloco.

Além de Ricardo Augusto Ribeiro de Souza, que assumiu a Subsecretaria de Assuntos Administrativos do MEC, outros militares no entorno do ministro são Paulo Mauricio Jaborandy de Mattos Dourado, coordenador-geral de Recursos Logísticos; Carlos Minelli de Sá, assessor especial do ministro; e Marcelo Mendonça, chefe da assessoria de assuntos parlamentares. Somente Marcelo Mendonça já estava na pasta antes da chegada do ministro. Um quinto auxiliar, José de Castro Barreto Júnior, secretário-executivo adjunto na pasta, já foi do Exército.

Apesar de ser pastor da Igreja Presbiteriana, o ministro não tem o suporte dos evangélicos, que nunca capitanearam sua indicação ao cargo. No primeiro escalão do governo, ele mantém pontos de apoio apenas na ministra Damares Alves, da Mulher, Família e Direitos Humanos; no ministro André Mendonça, da Justiça e Segurança Pública; e na primeira-dama, Michelle Bolsonaro, com quem compartilha pautas voltadas para pessoas com deficiência. Assim, ele tenta se aproximar cada vez mais do próprio presidente Jair Bolsonaro e criar um núcleo duro para se sustentar no cargo, acenando aos militares do governo.

Internamente, no MEC, há críticas sobre seu isolamento na condução do órgão. Mesmo secretários diretamente subordinados a Milton relatam dificuldade em ter acesso ao ministro fora das reuniões para a tomada de decisões, relatando que, muitas vezes, são ignorados por dias no WhatsApp.

Ainda que sua maior abertura ao diálogo, além de uma atuação menos estridente em relação ao antecessor Abraham Weintraub, tenha sido comemorado por servidores e interlocutores da pasta, a falta de avanços práticos nas pautas do ministério, passados quatro meses da chegada no ministro, começa a preocupar.

Reação à pandemia

As respostas à pandemia, desafio imediato da educação no Brasil, são consideradas tímidas. De R$ 525 milhões que Milton Ribeiro anunciou, no início de outubro, para ajudar nos planos de retomada das aulas presenciais, a pasta diz ter repassado R$ 170 milhões — cerca de 32% do total. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) afirma que ainda batalha pela liberação da verba para as redes escolares.

— O fato é que a gente não recebeu ainda. E estamos enfrentando um período crítico de eleição, depois começa processo de transição, o que dificulta os prazos e procedimentos para aquisições de equipamentos — afirma Luiz Miguel Martins Garcia, presidente da Undime.

Já o programa Educação Conectada, segundo dados do próprio MEC, repassou R$ 94,1 milhões do orçamento deste ano, de R$ 212,5 milhões. Ou seja, investiu menos da metade (44%) do total. A iniciativa pretende universalizar o acesso à internet de alta velocidade nas escolas e fomentar o uso de ferramentas digitais, consideradas fundamentais no período da pandemia.

O MEC afirmou que deve liberar, nos próximos dias, mais R$ 246,1 milhões dos R$ 525 milhões prometidos às escolas para auxiliar no retorno às aulas. Sobre o Educação Conectada, a pasta informou ter elaborado um “cronograma de repasse levando em consideração o momento de pandemia e as dificuldades de cada ente nos tempos e condições de preenchimento do plano de aplicação financeira, que é condição necessária para o repasse de recursos”.

Além da lentidão no aporte dos recursos, ações também consideradas importantes ou chegaram tarde e sem novidades, como o protocolo de biossegurança, ou ainda não saíram do papel, a exemplo do painel de monitoramento das escolas de educação básica durante a pandemia. A plataforma vem sendo planejada desde março. Segundo uma ata do Comitê Operativo de Emergência do MEC, obtida pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação, em uma reunião no dia 16 de março, ainda sob a gestão de Abraham Weintraub, foi mencionado que um dos funcionários do MEC já trabalhava na construção do portal.

Questionado pelo GLOBO, o MEC afirmou que a primeira etapa do portal será lançada em dezembro, com um diagnóstico das redes de ensino a partir das respostas a um questionário. A segunda etapa será lançada em 2021.

— O MEC está fazendo estritamente o obrigatório, as transferências vinculadas, em um período de pandemia, em que esforços-extras precisam ser coordenados com estados e municípios. Essa inoperância faz com que os recursos discricionários (os não obrigatórios, como salários e transferências constitucionais) não sejam executados e fiquem empoçados. Logo, outras áreas do governo veem uma oportunidade de tirar dali recursos para cobrir outras demandas, como obras — afirma Lucas Hoogerbrugge, líder de Relações Governamentais do movimento Todos pela Educação.

Arrocho no orçamento deve ser motivo de transtornos

Um plano orçamentário enviado pelo próprio governo ao Congresso prevê a retirada de cerca de R$ 1,1 bilhão do orçamento deste ano do MEC para a realização de obras. Além disso, há a expectativa de mais cortes em 2021. O cenário de arrocho é mais um elemento que, na opinião de aliados, pode trazer transtornos ao ministro já no início do ano.

Há quatro meses na cadeira, o ministro assinala, em reuniões, a “complexidade” do MEC e não raro manifesta espanto com as cifras relacionadas a programas e ações da pasta, demonstrando considerar que a área tem muitos recursos à disposição. A percepção, que contrasta com um desabafo público de Ribeiro no início da gestão sobre necessidade de preservar recursos, preocupa a área técnica, temerosa de um achatamento do orçamento no ano que vem. Para piorar, veem a falta de protagonismo político do ministro para brigar por orçamento como mais um obstáculo.

Embora mais discreta, a atuação ideológica na pasta não passa despercebida. Um dos movimentos mais abertos foi a tentativa fracassada do MEC na última semana de criar uma cadeira cativa para o “homeschooling” (educação domiciliar) no Fórum Nacional de Educação (FNE), uma instância consultiva que reúne vários atores da sociedade e do governo.

O “homeschooling” não tem regulamentação no país e é uma demanda de grupos religiosos que consideram a escola inadequada. A iniciativa é uma bandeira da ministra Damares Alves, próxima de Milton Ribeiro.

“Quem está tocando tudo é o secretário-executivo. Dizem que o ministro só falta dormir lá. Enquanto isso os militares estão dominando o operacional. A ala militar foi recomposta”, disse ao GLOBO uma fonte ligada à área.

Entrevista desastrosa

Em entrevista, o ministro afirmou que o “homossexualismo”, termo que não é usado por ter conotação patológica, está ligada a “famílias desajustadas”. A declaração o levou a ser alvo de pedido de investigação da Procuradoria-Geral da República (PGR) por homofobia.

Segundo fontes, o ministro teria levado um “cala boca” após a entrevista desastrosa. Na ocasião, assessores dele chegaram a pedir a apoiadores mais ferrenhos do governo para ajudar a viralizar o tuíte de Ribeiro se justificando sobre a entrevista. Em mensagens enviadas pelo WhatsApp auxiliares pediam um “help” para impulsionar a publicação.

Desde então, o pastor, que ensaiava começar a dar mais entrevistas, passou a seguir um roteiro de apenas ler discursos prontos em eventos oficiais, nos quais só fala na abertura e depois sai, sem atender a imprensa. Seus tuítes se mantêm protocolares, quase sempre marcando o presidente Jair Bolsonaro.

Ao GLOBO o Ministério da Educação afirmou que “nem todos os militares mencionados foram nomeados pelo Ministro Milton Ribeiro”, citando os decretos que regem as nomeações na administração pública. Esses próprios decretos estabelecem, no entanto, que é prerrogativa formal e praxe a Casa Civil assinar as nomeações de cargos mais elevados do funcionalismo federal, de níveis 5 e 6, ainda que para serem alocados em outras pastas.

Esse é o caso dos militares citados na reportagem, exceto dois, que tiveram suas nomeações assinadas pelo secretário-executivo, Victor Godoy, o número 2 do MEC. Nesse sentido, já é esperado que a assinatura não carregue o nome do ministro que comanda o órgão de destino desses funcionários, o que não significa que ele não tenha ingerência nas escolhas. O MEC disse ainda que leva em consideração critérios como formação acadêmica e familiaridade com a atividade, entre outros, para fazer as nomeações.

A pasta destacou que “o Ministro Milton Ribeiro acompanha e orienta a sua assessoria, específica para assuntos parlamentares, relacionados com o MEC. Existem, sim, agendas com parlamentares, líderes e Coordenadores das Bancadas Estaduais, bem como com os membros da Comissão Mista de Orçamento, que ainda não foi oficialmente instalada.”

Fonte: O Globo

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